
Assim é se assim lhe parece...
Esta frase de Pirandello traduz o significado da percepção que podemos ter de uma obra abstrata.
Assim como a música instrumental, a pintura abstrata leva o olhar e o pensamento para lugares e sentimentos muito íntimos. Não tem a letra, que na música com esta forma, compartilha uma narrativa, não tem a figura que inevitavelmente protagoniza a percepção na pintura figurativa.
Música instrumental = pintura abstrata. Música com letra = pintura figurativa. Assim é, pois assim me parece.
A pintura abstrata é assim, tem este poder, de múltiplos significados por vezes coincidentes para muitos, por vezes únicos para cada um que olha e vê com o seu interior.
Para mim, o sentimento e a expressão são a gênese, vem antes de tudo. Apenas flui... O projeto, o plano, vêm na sequencia desta epifania inicial.
A obra ganha vida a partir da expressão e com esta vida, este ser recém-nascido começa a dialogar, como se retribuísse a dádiva da vida.
A partir deste momento passo a ouvi-la, a perceber suas indicações, as formas, as cores, os caminhos. É uma troca intensa. Um único ser evoluindo junto, fruto de uma imagem interior já existente.

Cresci com a música muito presente em minha casa, pai e mãe na profissão. Meu pai, músico de jazz, estudando e praticando seus solos, suas frases e improvisos. Minha mãe com seus vocalizes criando um som ambiente em nossa casa. Coltrane, Charlie Parker e a bossa estavam sempre presentes. Tudo isso sem dúvida alguma fez parte de um caldeirão de influências.
Me relaciono com a pintura desde muito cedo. Sempre mergulhei na história e nas histórias dos grandes pintores em todas as épocas, são muitas paixões acumuladas que inconscientemente viram influências. Dos grandes mestres de movimentos distintos, o pioneirismo no abstracionismo de Kandinsky, que relacionava a pintura com a música, as fases de Picasso, as cores de Matisse, o universo íntimo de Van Gogh, o estudo científico de Seurat com seu pontilhismo, o universo das formas e cores de Cézanne, a luz dos impressionistas.
Todas estas referências estão presentes no primeiro e longevo período do meu trabalho na pintura.
Tive a oportunidade de montar minha primeira exposição em 1997, em um teatro, as obras no palco. A vida profissional no Teatro era pulsante. GALHARUFAS. Este foi o título da exposição. Sim, esta palavra que no Teatro tem o significado de batismo. A escala já era grande, muitas obras de grandes formatos. Puro Êxtase.

Naquele momento a vida no audiovisual já me ocupava intensamente e de lá para cá ganhou uma escala muito maior. Nos últimos 30 anos venho construindo uma história nesta área como diretor e roteirista e em seguida como executivo de criação e produção na maior empresa de mídia da américa latina.
Recentemente, em meus estudos e prática na pintura, que nunca cessaram, me fizeram reencontrar com alguns mestres do passado, uma escola que se formou nos Estados Unidos na década de 1950. A Escola de NY, o Expressionismo abstrato, o Action painting e suas variações.
Fui profundamente tocado novamente pela obra de Mark Rothko em seu Collor Field, Clyfford Still, Jackson Pollock, Lee krasner, De Kooning e tantos outros. Curiosamente a música associada a esta escola e que fazia parte do caldeirão cultural de Nova York era o jazz, muito associado ao improviso, ao sentimento interior do artista.
Desta vez, por alguma razão, tocou mais fundo. Gerou um movimento interno, um movimento de alma, no sentido pleno da palavra. A Produção, a prática e o estudo têm sido intensos. Nesta nova fase a abstração e a expressão são claramente as protagonistas.
A pintura é uma relação de vida, de eternidade. A abstração pode durar muito tempo, não sei prever. A busca pelo novo, pelo sentimento mais genuíno, interior é incessante.
Não é possível prever o caminho, e ele importa mais do que o destino.
Neste momento é possível, é necessário vivenciá-lo intensamente.
É necessário compartilha-lo.
A arte só se completa com o olhar de quem olha, de quem vê.
Compartilho com vocês este momento.
Esta expressão.